Há uma urgente necessidade de esclarecimentos sobre as circunstâncias que resultaram na omissão deliberada do Poder Público de sinalizar a via preferencial
Artigo de Diogo Castor de Mattos
O bairro Mercês era considerado até bem pouco tempo um local tranquilo para se morar. Havia pouco trânsito, as ruas eram largas, bem conservadas e arborizadas. Esse cenário mudou drasticamente há cerca de um ano, quando o Município de Curitiba iniciou intervenções para a chamada requalificação viária do projeto Inter 2.
O objetivo: trocar todo o asfalto bem conservado do bairro por um piso de concreto armado, que, supostamente, seria mais resistente e preparado para receber o ônibus.
Desconheço se houve consulta prévia à população impactada, e ouso dizer que a maioria dos moradores do bairro é contra a obra.
A opinião comum é que nos poucos trechos já entregues não houve ganho em eficiência na mobilidade urbana.
Por outro lado, a vida dos habitantes e comerciantes do bairro se transformou negativamente. O trânsito ficou caótico. As ruas de acesso às residências e comércios são fechadas por obras por tempo indeterminado.
Há um trecho da Presidente Taunay bloqueado há pelo menos três meses. Frequentemente, máquinas pesadas circulam na contramão. Além disso, não parece existir um cronograma seguro ou um planejamento claro e transparente das intervenções nas pistas. Novas frentes de trabalho são abertas sem a conclusão de trechos anteriores, e o pesadelo continua.
Em paralelo às obras de requalificação viária, o município iniciou o recapeamento de algumas ruas do bairro. Embora eu não entenda de asfalto, parece-me que havia outros bairros com ruas mais destruídas do que o Mercês.
Há alguns dias, foi feito o recapeamento da Rua Solimões no cruzamento com a Tenente João Gomes da Silva. Aquela esquina era conhecida por ser perigosa. Segundo dados do DETRAN, divulgados pela RPC, em 2024 houve quatro colisões no referido cruzamento. Essa sequência de acidentes preocupou os moradores, que solicitaram formalmente à Prefeitura uma melhor sinalização do local. Contudo, nada foi feito até então.
O pior: ao concluir a obra de recapeamento na sexta-feira, a única sinalização de PARE no chão da Rua Solimões foi apagada. Como não havia placas, o cruzamento ficou sem sinalização. Segundo a Prefeitura, a sinalização horizontal seria instalada na segunda-feira, para dar tempo ao asfalto “curar”. Fico imaginando de quem foi a triste decisão de deixar tudo assim — tudo para segunda.
Existiam várias opções para garantir a segurança dos motoristas no final de semana:
fechar a via (o que não seria novidade para os moradores do bairro);
colocar uma placa de PARE no poste;
acionar o SETRAN para orientar os motoristas;
usar cones, triângulos de sinalização ou qualquer outro recurso para indicar a via preferencial.
Havia várias alternativas para garantir a segurança, mas o burocrata responsável pela finalização da obra achou tudo desnecessário.
Giovana era uma brilhante advogada de apenas 29 anos e moradora do Mercês. Não sabia nada sobre asfalto ou burocracia administrativa de obras, mas teve seu destino selado pela decisão do burocrata da prefeitura, que achou que dava para esperar.
No sábado, às 14h25, ela vinha pela via preferencial, a Tenente João Gomes da Silva, a poucos metros de chegar em casa, quando um veículo cruzou a rua Solimões sem sinalização e provocou uma colisão fatal.
No mesmo sábado, às 22h25, foi instalada uma placa de PARE na esquina do acidente, e no domingo de manhã, a pintura do PARE foi feita no chão da rua Solimões.
O burocrata decidiu antecipar o cronograma.
Giovana não pode ser apenas mais um número na caótica estatística de trânsito brasileira. Ela representa todos os cidadãos que, diariamente, são vítimas do descaso, da falta de respeito e da ineficiência do Poder Público na gestão do tráfego nos bairros.
Há uma urgente necessidade de esclarecimentos sobre as circunstâncias que resultaram na omissão deliberada do Poder Público de sinalizar a via preferencial.
O cidadão não pode mais esperar.
(*) Diogo Castor de Mattos é morador do bairro Mercês, em Curitiba.